Sobre a finitude, a brevidade e boas coisas que estão por vir

Por Carlos Rafael Gimenes das Neves

Muito se fala sobre a primeira vez das coisas: o primeiro dia no emprego, o primeiro encontro com alguém, o primeiro dia de aula e tantas outras situações. Realmente a primeira vez de algo costuma ser emocionante e cheia de surpresas, afinal, não se tem uma experiência prévia pois nunca foi feito antes. Tudo é novidade e essa novidade é o que instiga a mente.

Mas, na outra extremidade oposta existe uma situação que não é tão enaltecida pelas pessoas em rodas de conversa, mas é igualmente (se não mais) instigante: a última vez!

O conceito de final, pelo menos para mim, é muito místico. E acredito não estar sozinho nessa. O próprio universo em que vivemos tem mexido com a mente de filósofos e cientistas há milênios, e não é para menos, já que as duas possibilidades mais comumente trazidas à tona sobre esse assunto incomodam.

Imagine que o universo seja mesmo (infinito). Aponte para algum lugar, e comece a viajar naquela direção. Nunca desvie. Nunca dê meia volta. Sempre siga naquela direção. E o que você irá encontrar? Mais espaço. Sempre mais espaço. Afinal, ele nunca acaba! Você e seus descendentes podem ficar por milhares de gerações nessa viagem, e nunca chegarão ao “final do universo”, pois, nesse cenário que estamos supondo, ele é infinito!

O conceito de infinito, algo que não tem fim, pode ser bem complicado de entender. Eu me lembro a primeira vez que a professora de matemática explicou o que acontece quando dividimos um número real por zero: infinito. Como eu achei aquilo desafiador de compreender lá no ensino fundamental. Alguns simplesmente desistiam de tentar entender e só aceitavam que “9 dividido por 0 dá infinito”. “Tanto faz” é que diziam. Outros, como eu, tentavam entender e faziam perguntas clássicas como: “Quanto dá infinito mais infinito?”, “E se eu dividir infinito por 2, dá quanto?”, dentre tantas outras perguntas!

A coisa azedou de vez quando a professora explicou sobre dízima periódica. “1 dividido por 3 dá 0,3333333333… infinitos 3”. Pronto! Lá estava de novo o danado do infinito! Demorei literalmente mais de uma década até ter uma resposta plausível para a pergunta que eu fiz milhares de vezes para a então professora: “Mas 3 vezes 0,3333333333… dá 0,9999999999…, não 1!!!! Como?!?! Não está errado isso?!?!”. Tive que esperar até o mestrado para poder resolver esse dilema (dá para resolver, sim, e é super interessante a resolução, que vou deixar em aberto aqui, para plantar a semente da curiosidade na mente de mais alguém 😅).

Algo que nunca tem fim.

Para mim, o universo ser infinito é perturbador em tantos sentido. Só não é mais perturbador do que a outra possibilidade: ele é finito.

Imagine se naquela viagem que você iniciou, e que durou milhares de gerações, algum dos seus descendentes simplesmente batesse em uma parede gigante. Como assim? Acabou!?!? Mas, e o que tem além dessa parede? Nada? O vazio?

Pior!

Em termos de universo, para existir um “vazio”, que, aliás, hoje se sabe não ser exatamente “vazio”, deve ser possível ir até aquele local para poder constatar esse fato.

Mas, se o universo realmente acaba naquela parede, não existe coisa alguma depois da parede! Nem mesmo um espaço aparentemente vazio! Não se pode chegar “lá”, porque “lá” não existe!!!

“Mas, se eu cheguei até essa parede, é só descobrir como atravessar”!

Outras tantas gerações de descendentes gastariam suas vidas tentando atravessar a parede, explodir a parede, raspar a parede… Em vão! Não adianta! Aquilo não é uma parede feita de matéria. Aquela parede intransponível é a constatação física de um conceito abstrato e assustador: o fim!

Como pode existir o fim? O que existe além daquele fim?

No livro “Relativity: The Special and General Theory”, Albert Einstein descreve uma possibilidade que eu considero fantástica, e acalma um pouco minha mente, sobre o formato do universo: ele é finito, mas sem limites (finite, but unbounded).

Se ele estiver certo, e sairmos naquela viagem rumo ao desconhecido, alguma das nossas futuras gerações terá uma surpresa incrível: chegará ao ponto de partida, onde seus antepassados começaram a viagem gerações atrás.

Demora um tempo para conseguir absorver esse conceito, mas nessa possibilidade explicada por Einstein, o universo não teria uma parede demarcando seu limite, porque ele não teria um limite físico. Se alguém seguir em uma direção por tempo suficiente, vai acabar de volta ao ponto de partida, porque o universo teria uma geometria tal que, de alguma forma, “a direita” se conecta com “a esquerda”, “a parte de cima” se conecta com “a parte de baixo”, e “a parte da frente” se conecta com “a parte de trás”. Coloquei tudo entre aspas porque direita, esquerda, cima, baixo, frente e trás só fazem sentido com relação a algum referencial, mas é para tentar ajudar a explicar na forma de texto uma forma geométrica bastante desafiadora de se imaginar.

Eu entendi esse conceito mais fácil com a ideia de uma folha de papel e um toro, popularmente conhecido como uma “rosquinha”. Se imaginarmos que o universo inteiro é aquela folha de papel, largada na mesa, a folha tem limites. Mas, se enrolarmos a folha ela vira um cilindro. Se pegarmos esse cilindro e curvarmos ele, ele virará uma “rosquinha”. Assim, se vivêssemos nessa folha de papel, ao irmos para “frente” por tempo suficiente, acabaríamos voltando ao ponto de partida.

Quer dizer, se Einstein estiver certo, até mesmo o universo resolveu “dar um jeitinho” para não ter que lidar com as duas opções terrivelmente assustadoras: ser infinito ou ser finito com uma grande parede limitando o que existe e o que não existe.

Mas, não somos a Divindade que criou o universo, e não temos como “dar um jeitinho” para evitar lidar com o final das coisas. A última vez!

Às vezes é possível, sim, saber quando ocorrerá a última vez de algo. Qual será o último dia de aula do semestre, a última mordida do lanche. Mas nem sempre é possível saber ou prever a última vez.

Qual será meu último dia no emprego? Pode ser que eu seja demitido sem qualquer tipo de aviso. Qual será meu último dia de vida? As perguntas não precisam ser tão profundas. Coisas triviais do dia-a-dia podem ter uma última vez sem aviso prévio. Um dia, jogando online com os amigos, eu desligo o jogo e digo “até amanhã, pessoal”. Eis que me enrolo com outros compromissos no dia seguinte, e no seguinte, e na semana seguinte, e na outra. Antes que se perceba, todo mundo do grupo acabou se enrolando com compromissos inesperados no mesmo período, o “amanhã” virou “semana que vem”, que virou “mês que vem”, que virou “ano que vem”, que virou “nunca mais”.

Ninguém sabia, mas aquele dia tão comum se transformaria em um dia memorável por razões muito além da compreensão de todos! Aquele dia que eu disse “até amanhã, pessoal” seria o último dia que todo mundo jogaria online junto. Aquele dia era o final! E, mesmo sendo tão especial, ninguém curtiu aquele dia como deveria. Ninguém percebeu, naquele momento, o valor daquele dia. Eis que volto para o ponto lá do começo do texto: por um motivo ou por outro, nem sempre a última vez é tão enaltecida quando a primeira!

Aqui no curso de Sistemas de Informação, antes da pandemia, existia um espaço físico reservado para alunos e alunas que quisessem desenvolver projetos relacionados a jogos. Lá, o pessoal podia se encontrar a qualquer hora do dia, para discutir ideias, desenhar, fazer modelos 3D, criar códigos, testar etc. Normalmente o espaço era frequentado por estudantes do 1º ao 4º semestre, que são os semestres quando o curso ainda é diurno. Não eram todos os estudantes desses quatro semestres que participavam, visto que muitos tinham outras atividades, como Iniciação Científica, atlética, estágio. A partir do 5º semestre, quando o curso passa a ser noturno e os estágios costumam se transformar em empregos de 8 ou 9 horas diárias, a maioria dos alunos passa a não ter mais tempo hábil para frequentar. Então, era raro encontrar por ali estudantes desses semestres, a não ser por alguns que haviam optado por adiar um pouco mais o início do estágio, e seguiam com atividades de pesquisa, como a iniciação científica.

Eis que em março de 2020 veio a bomba: pandemia. Todo mundo foi compulsoriamente enviado para ficar em casa por um longo tempo.

Assim como diversas outras instituições nacionais, a ESPM retornou para o antigo modelo presencial em algum ponto no início de 2022.

Porém, a essa altura, alguns dos alunos e alunas que viviam naquele espaço já haviam se formado, enquanto que outros e outras já estavam trabalhando em tempo integral durante o dia, e terminando o curso de Sistemas de Informação à noite.

Hoje, 2023, ninguém mais frequenta aquele espaço específico porque ele foi fechado para reestruturação (e estará de volta em breve em um formato bacana 💖), e porque novos espaços bem legais foram projetados, criados e disponibilizados para os alunos, com muito carinho. 💕

Para todo mundo que entrou no curso de Sistemas de Informação desde o segundo semestre de 2020, esse antigo espaço físico é um grande desconhecido, que nunca pertenceu ao dia-a-dia deles.

Lá dentro, contudo, existia um quadro branco onde o pessoal desenhava, deixava recados, fazia brincadeiras e esboçava a criatividade das mais diversas formas. O curioso é que, durante esse período de reestruturação desse espaço físico, o quadro branco permaneceu intacto, do jeito que foi deixado pela última pessoa que lá desenhou algo em março de 2020.

Não sei o motivo, mas nenhum professor, nenhum funcionário jamais tocou no quadro branco.

Olhando para ele hoje eu me pergunto: quem foi a última pessoa que fez algum desenho ali? De todos esses desenhos que estão lá, qual foi feito por último? Qual era o contexto? Será que a pessoa que levantou a caneta do quadro aquela última vez, tinha ideia de que ela seria a última pessoa a desenhar algo no quadro? Será que ela sabia que aquele seria o final do quadro?

Não quero que esse texto seja lido e interpretado com um ar de melancolia, mas sim de homenagem!

Uma homenagem a todas as pessoas que vivenciaram aquele espaço físico por anos. Às pessoas que investiram tempo de suas vidas criando projetos lá, e que, em troca, receberam tanto conhecimento, diversão e amizades. ❤

Outro fato curioso é que uma parte grande de quem frequentava assiduamente o espaço antes de 2020 acabou se formando agora, em dezembro de 2022, e colou grau semanas atrás, em março de 2023. Foi justamente na colação que eu tive a oportunidade de ver ao vivo mais uma vez (será que para alguns, a última vez?) esse pessoal que tanto nos cativou, e que tanto se dedicou. 🙏

Fiz questão de não colocar imagens ao longo do texto para que ele tivesse somente uma imagem, sendo asism a primeira e a última imagem do texto ao mesmo tempo 😅: a foto do quadro branco do jeito que ele foi deixado.

De acordo com os ditos populares, quando alguma coisa cai na internet, ninguém mais apaga! Se isso for mesmo verdade, então, a partir de agora, tanto essa homenagem quanto a lousa ficarão infinitamente (?) salvas na internet! 💖

A ideia de gêmeo digital

Em um primeiro momento, o nome “gêmeo digital” pode suscitar a ideia de um eu virtualizado. Algo ligada até mesmo com algum romance de