Por Vicente Martin
A criação de um game, independente de plataforma, é um esforço de talentos oriundos de diferentes campos. Por exemplo, vamos imaginar o desenvolvimento de um board game com temática de estratégia militar ambientado na primeira guerra mundial. Pode ser que haja a necessidade de peças, dados, miniaturas em escala, embalagem com o conteúdo organizado, arte do tabuleiro e um manual de regras. Por outro lado, se imaginarmos a criação de um jogo espacial para smartphone, por exemplo, será preciso ilustrações 3D, trilha sonora, efeitos sonoros especiais, vídeos com animações entre as telas, arquitetura de informação, roteiro, um guia com instruções e muitos outros possíveis componentes.
Não importa que tipo de jogo esteja sendo criado, há um aspecto fundamental que define o sucesso (ou o fracasso) de muitos títulos: trata-se da modelagem das regras. Um jogo com visual extremamente sofisticado, mas que peca na definição das regras não conquista um jogador somente por seus belos gráficos. Em um mercado com a quantidade de títulos que temos hoje, criar boas regras e mecânicas adequadas para o usuário é essencial.
Trefay (2010, p.26), em seu livro “Casual Game Design” elabora alguns conselhos extremamente válidos para o momento de estruturação das regras de um jogo. É imprescindível ressaltar que os tópicos a seguir valem para qualquer tipo de jogo, não importa o grau de complexidade, plataforma ou temática. De uma maneira objetiva apresento alguns pontos observados por Trefay com alguns complementos (e exemplos) de minha parte:
1) Seja conciso e exato. As regras de um jogo devem ser objetivas. Se for possível explicar as regras com um vídeo de um minuto, não é preciso fazer um curta metragem. Se três exemplos em um manual explicam todas as situações chave do game, não há necessidade de utilizar mais. Dizer demais é dizer em excesso.
2) Estabeleça claramente o que não pode e o que pode ser feito durante o jogo. Criar limites é um ponto crucial para que o player consiga visualizar se está conseguindo cumprir seus objetivos. Os limites equacionam como os jogadores irão “conviver” durante uma partida e as regras devem deixar essas relações muito claras, inclusive se há exceções.
3) Evite muitos casos especiais e exceções. Se uma regra gera muitas exceções, com certeza o game possui algo desalinhado. Uma das piores experiências que um jogador pode ter com regras está no fato do jogo apresentar “reviravoltas” que prejudicam a lógica da partida. Trabalhar com um ou dois casos especiais é compreensível desde que não macule de maneira extrema o andamento das regras básicas.
4) Coloque objetivo do game de maneira coesa e clara. Se for um jogo de cartas ou tabuleiro é essencial explicar como alguém ganha, sendo um video game é importante contar quando a narrativa termina ou quem vence (no caso de mais jogadores envolvidos). Atualmente, uma das piores experiências lúdicas que se encontra está nos “jogos sem fim”, onde rola-se dados, compra-se cartas, acumula-se dinheiro, caminha-se por um cenário gigantesco e não se sabe quando a partida termina.
5) Conte as regras como se fossem uma história. Os video games apresentam esse ponto de uma maneira singular e, normalmente, os primeiros minutos de um game digital servem para contextualizar as regras e comandos do jogo para o player dentro do cenário proposto. Porém, os jogos de tabuleiro modernos europeus e americanos já entenderam bem esse tópico e trazem seus manuais cada vez mais ricamente exemplificados dentro de um contexto de história.
6) Dê exemplos de todas as situações. Regras necessariamente não se explicam sozinhas. Dê quantos exemplos de situações forem necessários, mas lembre-se do ponto 1 que foi discutido anteriormente.
7) Teste o jogo incansavelmente e arquive todas as anotações e documentos. O beta test de um game é o cerne de todos os ajustes que ele pode vir a sofrer em termos de regras e mecânicas. Testar um jogo não é joga-lo sozinho cem vezes, é colocar cem pessoas para jogar uma vez e trazer feedbacks para o que está sendo proposto na interface. Arquivar toda a documentação, esboços e anotações é outro detalhe dos mais importantes, pois todo material traz a experiência do que foi um sucesso ou fracasso em próximos trabalhos.
São apenas insights iniciais, mas que podem auxiliar aqueles que estão começando a desenhar seus primeiros experimentos lúdicos. Complete a lista com seus pontos pessoais e compartilhe com todos aqueles que fazem parte e estudam o campo da ludicidade. Bom jogo.
_Referência bibliográfica: TREFAY, Gregory. Casual Game Design. EUA: Elsevier, 2010