Por Vicente Martin
Neste texto eu gostaria de destacar algumas características que transitam entre os games e os filmes e vice-versa. Sabemos que ambos são produtos culturais inseridos na ampla indústria do entretenimento e, sem dúvida, um influencia consideravelmente o outro em termos de linguagem, dinâmica e estética.
Em alguns momentos, os dois mundos que discutimos neste texto se hibridizam e formam experimentos interessantes como o game DETROIT: BECOME HUMAN onde o componente narratológico alcança uma dinâmica bem próxima do que poderíamos resumir como um “filme interativo e lúdico”. O jogador comanda ações em modelo de árvore de decisão, que vão se desenvolvendo como cenas de um filme entre um apertar de botão e outro. O jogo trabalha com a ideia de que múltiplas decisões durante o percurso geram finais diferentes, aumentando, assim, a possibilidade de um player experienciar novamente a trama, optando por caminhos (e decisões) diferentes.
Parece que uma coisa é possivelmente certa: apesar das diferenças de plataforma é inegável que os filmes influenciam a linguagem dos games e vice-versa. E quando observamos a transição de conteúdo entre estas plataformas, percebemos que há uma estratégia de desdobramento transmidiático que remonta aos primeiros consoles lançados na década de 1980. Nos primórdios desta década, havia o filme E.T (Steven Spielberg, 1982) e então foi criado o jogo E.T.(Atari, 1982) baseado na película. Avançando alguns anos, tivemos o lançamento do jogo Silent Hill (Konami, 1999) e então foi feito o filme sobre o game (Christophe Gans, 2006). Há uma inversão de papeis nesse âmbito onde primeiro os filmes se desdobram em jogos e depois os jogos são moldados para irem para o cinema.
Trazendo esta discussão para o lado dos games, podemos recorrer a uma importante figura deste mercado: trata-se de Sidney “Sid” Meier (1954). Meier é um programador canadense e designer de vários strategy games para computador, sendo “Civilization” uma de suas obras mais conhecidas. O game designer, sem dúvida, é um dos maiores colaboradores criativos da indústria de games na atualidade.
Meier diz que há uma diferença crucial entre games e filmes. No game, quanto maior a atenção que é focada no jogador, maior é a chance do game ser bem sucedido. Em um filme, você está vendo a história de outro alguém, logo, quanto melhor for a história, os atores, os efeitos, etc. mais interessado o espectador pode se tornar durante a experiência.
Michael Nitsche (p.57) em seu livro Video Game Spaces, aponta que um diretor de cinema diz “olhe aqui, eu vou te mostrar algo” e o game designer (ou spacemaker, como denomina o autor) diz “olhe aqui, eu vou te ajudar a descobrir algo”.
Ainda dentro deste contexto podemos recorrer ao autor Henry Jenkins que sugere que nós devemos “pensar nos game designers menos como contadores de histórias e mais como arquitetos de narrativa” (p.129) os quais “não contam simplesmente histórias, mas criam mundos e esculpem espaços de interação e decisão” (ibid. 121).
Qual o limite para as fronteiras entre estes dois campos? Esta é uma pergunta difícil de responder. Alguns estudiosos prevêem um futuro com formas híbridas nada convencionais tanto para os games quanto para os filmes. Um fato é inegável: independente de qual irá se mesclar com o outro, deveremos sempre ter um foco no usuário/jogador/interator/espectador.
Como reflexão final, vale a ideia de Jenkins (2008, p. 39) de que os meios de comunicação e plataformas de acesso a conteúdo nunca morrem – nem necessariamente desaparecem. O que morre são apenas as ferramentas que usamos para acessar seu conteúdo e a maneira como o conteúdo é oferecido.
_Referências bibliográficas:
NITSCHE, Michael. VIDEO GAME SPACES – image, play and structure in 3D worlds. Massachusetts: MIT Press, 2008.
JENKINS, Henry. “Game Design as Narrative Architecture” In First Person: New Media as Story, Performance and Game, edited by Pat Harrington and Noah Wardrup-Fruin, 118-131. Cambridge, MA, and London: MIT Press, 2004.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008